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domingo, 9 de maio de 2010

A Saúde das Cidades

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A cidade é a casa verdadeira dos cidadãos. Mais do que a sua habitação. Muito mais do que a dimensão país ou o mundo global.

Na verdade, o próprio conceito de "Cidadania" tem origem etimológica no latim civitas, significando "cidade" e designa um estatuto de pertença de um indivíduo a uma comunidade politicamente articulada e que lhe atribui um conjunto de direitos e obrigações. (http://www.eurocid.pt/)

É pois razoável dizer-se que a cidade, onde os homens se encontram, onde trabalham, onde respiram, em cuja administração participam, é o seu lugar primeiro. É na cidade que parte significativa da população passa o seu tempo. E, mesmo a globalização, referência geo-cultural integradora, impõe que se aja localmente, ao nível da comunidade que nos acolhe e que, no fim de contas, nos preenche e nos orienta.

Vêm, por isso, de longe, as preocupações com a organização da cidade, com o seu planeamento, com a administração do seu território.

Vem de longe a ideia de que o bem-estar dos cidadãos, a sua qualidade de vida – conceitos necessariamente difusos – estão intimamente ligados ao ordenamento urbano.

Vem, pois, de longe a ideia de que a saúde dos cidadãos está associada a uma cidade sem doenças; uma cidade, ela própria, que se apresenta como um organismo vivo. Muitos autores se têm debruçado, de resto, sobre o “metabolismo urbano”.

Faz sentido dizer que a saúde nas cidades é indissociável da saúde das cidades.

Aristóteles, no seu Tratado de Política, escreveu:

“Quanto à comodidade intrínseca, é preciso, no que respeita à situação das cidades, ter em consideração quatro coisas.

Em primeiro lugar, a salubridade é essencial; por conseguinte, deve preferir-se a exposição e os ventos do Oriente como mais sãos…

Como o essencial é, antes de mais, providenciar à saúde dos habitantes… estes problemas merecem a maior atenção: porque não há nada mais importante para a saúde como o que é de uso diário e contínuo, como o ar e a água.”

Aristóteles referia-se, assim, à cidade como espaço de desejável salubridade. A cidade que é, ou deve ser, simultaneamente, um nicho de liberdade e de segurança, ambos requisitos de cidadania plena para os quais a saúde, decisivamente concorre.

A relação entre a cidade e a saúde vem, diga-se, desde as origens do urbanismo.

Basta ver, com Jorge Gaspar, que a disponibilidade de alimentos, um dos problemas básicos da saúde, esteve na origem da própria cidade. Foi a partir do momento em que as sociedades agrárias conseguiram produzir com regularidade excedentes alimentares – na China, na Índia, na Mesopotâmia – que se promoveu a diferenciação social do trabalho e foi possível concentrar funções que beneficiariam das chamadas economias de aglomeração. Tendo sido esta aglomeração que implicou novas infra-estruturas e colocou novas questões de natureza sanitária: abastecimento de água, esgotos, arejamento; além da exposição a outros riscos, como incêndios, cheias, epidemias…

São também conhecidas as discussões em torno, por exemplo, do tamanho óptimo da cidade, como resposta às disfunções da era pós-industrial e, muito antes, na própria Roma Imperial. As medidas higienistas de Roma, no período do Império, como a higiene na via pública, os espaços verdes, o abastecimento de água e os cemitérios, representam, lá longe no tempo, respostas ao crescimento excessivo da cidade, indissociáveis de uma certa ideia de salubridade na concepção urbana.

Londres, Paris, Berlim e Nova Iorque, são exemplos de cidades que, com o advento da industrialização, se confrontaram, dramaticamente, com a necessidade de equilibrar crescimento e inovação, com saúde e sustentabilidade.

Berlim, no início do século XX tornou-se um caso extremo, tendo a sua população passado, entre 1890 e 1910, de 1,9 milhões para 3,7 milhões de habitantes.

Também no dealbar do século XX, Nova Iorque era a cidade com maior população imigrante no mundo e Paris, desde os finais do século XVIII, assistiu a um crescimento enorme da sua população, não tanto por via de uma industrialização que vinha em contínuo, mas associada ao enorme surto de construção civil, em parte ligada à nacionalização dos bens dos emigrantes e, sobretudo, dos bens eclesiásticos.

Lisboa, por fim, numa dimensão diferente, viu acumulados problemas como o terramoto de 1755, as invasões francesas, as guerras civis, as epidemias de cólera, a industrialização e o êxodo rural. Todos em concurso para a insalubridade urbana, que confunde, necessariamente, o estado de saúde das cidades com o estado de saúde dos cidadãos.

Sobrevoar a história do planeamento urbano, o modo como os antigos se viram forçados a lidar com a concentração das populações e com o crescimento, na óptica do bem-estar colectivo, da saúde da comunidade, em sentido amplo, é um primeiro passo decisivo para compreender os desafios que, hoje ainda, longe de estarem resolvidos, se colocam aos decisores políticos, à sociedade civil, aos académicos, às empresas, a cada um dos cidadãos.

A saúde das cidades é, necessariamente, um projecto multidisciplinar e intersectorial, que convoca, desde logo, o planeamento urbano, mas que nos convoca a todos.

Na esteira do que vem dizendo o Arquitecto Ribeiro Telles, “o homem tem de dominar o lugar, mas sem o destruir.”

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