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segunda-feira, 29 de março de 2010

Por uma política cultural para Coimbra

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Há pouco mais de dois anos, um documento intitulado "Pelo direito à cultura e pelo dever de cultura!" era assinado por cerca de 1200 cidadãs e cidadãos de Coimbra, manifestando a sua preocupação não apenas pela ostensiva falta de apoio logístico e financeiro às actividades culturais da cidade, mas, principalmente, pela evidente falta de uma política cultural, digna desse nome, por parte da Câmara Municipal de Coimbra (CMC). Pior, denunciava-se o facto de, paradoxalmente, esta se assumir cada vez mais como "um elemento dificultador e tendencialmente destruidor do potencial de criação artística que a cidade possui e que é uma das suas principais mais-valias", prenunciando-se, então, tempos ainda mais sombrios para a cultura em Coimbra.

O pessimismo viria a justificar-se inteiramente. As verbas destinadas à cultura no orçamento global da CMC não só baixaram de cerca de 7% para 3%, entre 2005 e o último ano, como se revelou um desprezo crescente pela cultura por parte dos responsáveis camarários — desprezo esse evidente, por exemplo, no desrespeito público por alguns dos principais agentes culturais da cidade, no abandono a que foram votados equipamentos culturais públicos financiados ou comparticipados pela própria CMC ou na forma como se foram deixando cair protocolos de colaboração com entidades culturais locais e nacionais, que potenciavam quer a criação, quer a fruição cultural por parte dos munícipes do concelho de Coimbra.

Assim, os sucessivos cortes nas verbas para a cultura previstas nos orçamentos camarários foram sendo invariavelmente justificados com a falta de financiamento por parte do Estado ou com a necessidade de se hierarquizarem prioridades — como se a cultura não fosse um direito fundamental de cidadania, tão importante quanto o direito ao emprego, o direito à habitação, à saúde ou à educação —, enquanto muitas das actividades culturais arbitrária e discricionariamente financiadas pelo erário público o foram sendo em nome de uma ultrapassada oposição entre cultura de elites e cultura popular.

De facto, o que passou por política cultural dos dois últimos executivos da CMC revela, antes de mais, uma concepção dicotómica e completamente retrógrada de cultura. Uma concepção que, por um lado, vê a chamada alta cultura como apanágio das elites socioculturais e que, por isso, deve ser por elas apenas suportada (excepto quando, eventualmente, possa trazer algum prestígio ao poder camarário), e que, por outro, opõe à primeira uma cultura que pretende genuinamente popular e que, por isso, essa sim, merece ser paternalistamente apoiada pela Câmara para maior entretenimento dos seus munícipes.

O que há de trágico numa tal concepção de cultura, para mais numa cidade que já foi "capital cultural" do país e que pretende ser "cidade do conhecimento", é a sua incompreensão pelo papel integrador que a cultura tem ou pode ter, não só na vida de cada indivíduo, mas também na vida da Cidade, articulando as mais diversas esferas da vida do indivíduo em comunidade. Por outras palavras, a importância da cultura na vida da Cidade, deve-se tanto ao enriquecimento subjectivo e pessoal que proporciona a cada indivíduo, quanto ao sentimento de identidade e coesão, à abertura à diferença e à interiorização do direito à livre expressão que cada indivíduo experimenta na sua vida em comunidade. É por tudo isso que o direito à cultura deve ser considerado um direito fundamental e que o poder local não se pode desresponsabilizar de desenvolver a sua própria política cultural, tanto mais quanto, pela sua transversalidade, a cultura se articula com outras áreas da gestão autárquica.

Ainda há cerca de seis meses, um estudo encomendado pelo Ministério da Cultura sobre "O Sector Cultural e Criativo em Portugal" revelava, por exemplo, que em 2006 este sector foi responsável por 2,8% de toda a riqueza criada nesse ano em Portugal (3,691 milhões de euros) - um valor superior ao contributo dado pelas indústrias alimentares e de bebidas, ou pelos têxteis e vestuário - e foi ainda responsável por cerca de 2,6% do emprego nacional total (127 mil empregos). Entre 2000 e 2006, num contexto em que o crescimento cumulativo do emprego foi de apenas 0,4%, à escala nacional, no Sector Cultural e Criativo este crescimento foi de 4,5%, um contributo, segundo o mesmo estudo, superior ao do sector da alimentação e bebidas ou do imobiliário. Se apresentamos aqui estes números, não é, evidentemente, para reduzir a cultura à sua vertente económica, mas apenas para demonstrar como a ausência de uma política cultural por parte da autarquia poderá acarretar um empobrecimento não apenas em termos estritamente culturais, mas em várias outras áreas da vida dos munícipes da cidade e do concelho de Coimbra.

A nomeação de uma nova vereadora da cultura, neste terceiro mandato autárquico de maioria PSD, e o arranque do concurso público internacional para a construção do Centro de Convenções e Espaço Cultural do Convento de S. Francisco, com uma dotação orçamental para 2010 de nove milhões de euros, não deixarão de ser apontados como sinais de mudança na política cultural da CMC, mas a verdade é que tais sinais não chegam para definir uma verdadeira política cultural — e muito menos uma política cultural de esquerda.

Diga-se, no entanto, e em abono da verdade, que também no Partido Socialista, apesar da sua maior sensibilidade para as questões culturais, tem faltado uma profunda discussão para a definição de uma política autárquica para a cultura. Qualquer política cultural autárquica do PS que não se confunda com a promoção de uma qualquer cultura de regime, nem se esgote numa política de grandes obras ou eventos mediáticos, terá necessariamente que proceder a essa discussão. No momento em que se aproximam as eleições para a Comissão Política Concelhia (CPC) do PS, órgão que deverá definir o programa político do PS/Coimbra para as próximas eleições autárquicas, interessa pois repensar a acção da autarquia na vida cultural da cidade e do concelho de Coimbra.

Como encontrar formas de apoiar quer logística, quer financeiramente, os agentes culturais da de Coimbra? Como incentivar o aparecimento de novos agentes e criadores? Como distinguir os agentes e criadores que merecem apoio financeiro autárquico? Que outras formas de apoio poderão ser providenciados pela CMC? Como promover a diversidade e acessibilidade da sua oferta cultural? Como potenciar o contributo das actividades culturais para o desenvolvimento social e económico do concelho de Coimbra? Qual o papel do associativismo cultural na criação e fruição artística e cultural e que apoios lhe deverão ser concedidos pela CMC? Como explorar a cultura e património de Coimbra para atrair turismo para Coimbra e projectar a imagem da cidade no exterior? Como sensibilizar e formar novos públicos para novas formas de expressão artística? Como promover a sinergia de esforços entre os diversos agentes culturais? Como apoiar a projecção nacional e internacional da cultura e da criação artística de Coimbra? Como garantir o acesso dos conimbricenses à maior diversidade possível de formas de expressão artística? Como…

Estas são apenas algumas das muitas questões a que uma política cultural autárquica deverá tentar responder. Esperemos que, da discussão, resultem algumas respostas para um verdadeiro programa cultural de esquerda.

Paulo Jorge Granja

4 comentários:

  1. Excelente reunião de trabalho, hoje à noite na sede de campanha, sobre a política autárquica cultural em Coimbra.

    O debate de amanhã, no TAGV, será com certeza muito proveitoso

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  2. Foi fantástica, esta reunião ! Mas a intervenção final de um Fotógrafo de profissão, encheu a medidas de todos...
    O que, de facto, tem de evoluir na mentalidade "coimbrinha" !!!...

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  3. Quero mais uma vez começar por congratulá-los pela iniciativa dos debates!

    O debate de ontem à noite, muito concorrido, ainda mais em tempo de férias, acabou infelizmente, por me desiludir. Depois de 3 horas de conversas, com várias intervenções onde, por exemplo, se mostrou que Coimbra até nem está tão mal quanto querem fazer querer, teve apenas uma intervenção que foi aplaudida, a intervenção onde sem papas na língua se descobriu onde estão, afinal, os culpados pela 'decadência' da cultura coimbrã: os artistas.

    Antes de mais gostaria de perguntar, mas culpados do quê?!

    Apesar de ser forçado a concordar com algumas das acusações realizadas, nomeadamente o facto de ser lamentável a pequena participação por parte dos mesmos no debate e o facto de nem todos se darem tão bem quanto isso uns com os outros, é também factual que dois dos principais responsáveis pela programação cultural na cidade, sendo ou não concorrentes, têm não poucas vezes as suas casas cheias! Sendo sempre discutível, considero que tanto a Escola da Noite como o Teatrão, (citando os mesmos "culpados") sendo ou não rivais, apresentam espectáculos de qualidade e podendo estar a dizer um grande erro, a afluência às suas salas não me parece que seja diminuta. Ao invés de os culpabilizar pela 'falta de cultura' da cidade, seja lá isso o que for, eu dou-lhes os meus parabéns, por numa sociedade onde se aplaudem as palavras que ouvi ontem, eles continuarem a apostar e a dedicar o seu suor.

    E sendo verdade que existe concorrência entre os elementos culturais da cidade, não é menos verdade que também existe cooperação, e falo enquanto membro do CITAC, que no ano passado utilizou figurinos da Escola da Noite, cedeu a sua sala de ensaios para os mais variados eventos, utilizou a sala de ensaios do TEUC (suposto eterno rival), "assistiu" a espectáculos do Teatrão, entre vários outros exemplos onde se poderá ver que a realidade não corresponde aquela que foi pintada.

    Antes de se acusar os outros de não cooperarem e de trapacearem a concorrência, olhe-se também para o blog do autor desta intervenção e veja-se se serão apenas os elementos culturais citados os culpados pelo mau ambiente que por vezes se vive no mundo das artes. Que eu saiba, a fotografia, faz também parte do mundo das artes.

    Numa intervenção fervorosa, realço ainda tanto o exemplo da organização cultural realizada em Salamanca, que desconhecia, é realmente um bom exemplo e o exemplo da programação cultural de Tondela.

    No caso de Salamanca, e apesar de concordar com o que foi dito, acho que deverá ser relevado o facto de que a iniciativa de juntar todas as organizações culturais da cidade no início do ano para assim se programar o 'ano cultural', é uma política, e como tal, compete, a meu a ver, aos elementos políticos da cidade organizar tal iniciativa, sendo uma muito boa sugestão para a política cultural a implementar!

    No caso de Tondela, e outras cidades, tais como Guimarães, a programação cultural da cidade está muito dependente de associações culturais, de onde destaco duas: a ACERT e o Centro Cultural Vila Flor:

    http://www.acert.pt/

    http://www.ccvf.pt/index.php?mes=04&on=false

    Ambas as associações são super dinâmicas, englobam várias artes, atraem vários públicos e vários espectáculos além de servirem como residencia a um grupo de teatro profissional da Cidade.

    O que questiono então é, para quando um centro cultural em Coimbra?! Porque não aproveitar a construção do Centro de Congressos e de Artes do Convento de São Francisco (CCACSF) para constituir uma associação cultural?!

    A meu ver, mais uma vez, são iniciativas que terão de partir de políticas, que vão depender não só da boa vontade dos artistas mas também do apoio das Instituições, da Câmara, da Universidade...

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  4. O comentário acima encontra-se incompleto, estando a sua versão integral presente no buzz dedicado à candidatura de Paulo Valério.

    http://www.google.com/buzz/101147756184863189459/T7m6J1k8Xsq/Por-uma-pol%C3%ADtica-cultural-para-Coimbra

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